A COVID-19 é uma doença nova e, portanto, recém-estudada pela comunidade científica, e ainda os cientistas no mundo todo ainda tentam entender por que as pessoas reagem de forma tão diferente à infecção do coronavírus.
A Covid -19 pode provocar sintomas leves, formas graves, mortes e sequelas de longo prazo meses após a pessoa se livrar da contaminação pelo vírus. Desde que surgiram os primeiros casos, em dezembro de 2019 na China, a literatura médica vem registrando sequelas que podem atingir diferentes partes do organismo.
A falta de ar, a perda do olfato e do paladar e o cansaço atingem com frequência os pacientes logo após o contágio, porém muitas pessoas continuam com esses sintomas, como se a infecção tivesse se tornado crônica. Até mesmo depois de meses do contágio e da alta médica, existe vários relatos de surgirem incidentes relacionados ao SARS-CoV-2.O cansaço é tão intenso para pode ser acompanhado, por exemplo, de dores em músculos e articulações e dificuldade de memória ou atenção.
Isso não significa que todos terão essas complicações. “A maioria das pessoas que foram infectadas pelo coronavírus ficam sem sequela alguma”, afirma Fabio Miranda, Gerente das Unidades de Terapia Intensiva do Hospital Copa Star.
O que ainda não ficou claro para os pesquisadores é por quê algumas pessoas desenvolvem esses sintomas mais persistentes, chamados às vezes de “Covid longo”. O fenômeno no entanto levou o hospital Foch, na região parisiense, a criar um setor especializado no atendimento a pacientes que ainda convivem com sequelas da doença. Segundo Nicolas Barizien, chefe da unidade de reeducação do hospital, pacientes que tiveram versões leves da covid-19, sem hospitalização, procuraram o atendimento médico para relatar o retorno dos sintomas, após serem considerados curados. De acordo com o médico, novos exames foram prescritos, mas os resultados não apontaram nenhuma nova infecção.”Os pacientes têm um impacto real na qualidade de vida, no cotidiano, com sintomas que muitas vezes fazem com que sejam incapazes de levar uma vida normal. Eles descrevem uma sensação de falta de ar, mesmo com um esforço mínimo”, diz.
Mulheres são as mais afetadas
A Síndrome Pós-Covid, diz, atinge principalmente mulheres entre 25 e 60 anos, que têm uma vida ativa. Na maioria dos casos, os pacientes não estão acima do peso ou tem outras doenças que os incluiriam no grupo de risco, como obesidade ou diabetes.
“Hoje, o que nos incomoda, é que não temos soluções milagrosas para propor a esses pacientes. Mas, analisando o perfil deles, podemos aliviar os sintomas”, diz o médico francês. Não existem provas objetivas que expliquem esses sintomas, o que dificulta a vida dos doentes, “É preciso tempo , para que os estudos iniciados em centros de saúde pelo mundo se especializem em consultas da Síndrome Pós-Covid.”
Segundo Nicolas Barizien, os diferentes centros nacionais que tratam a Síndrome, pilotados pelo Inserm (Instituto Nacional da Saúde e Pesquisa Médica Frances), estão listando todos os sintomas que atrapalham a vida dos pacientes durante meses a fio, uma boa parte deles, diz, são cardiorrespiratórios, como tosse, falta de ar, ou opressão no peito. Outras queixas incluem refluxo, diarreia ou aceleração do trânsito intestinal, dores de cabeça, sensação de mal-estar e problemas de concentração —sabe-se que o SARS-Cov-2 tem receptores no intestino e no cérebro. O médico explica que, além das queixas cardiorrespiratórias, há pacientes, por exemplo, com problemas de memória e outros que perderam peso e têm dificuldade para recuperar a massa muscular.
Uma das pistas dos cientistas é que, depois da covid-19, algumas pessoas desenvolvam uma inadaptação da frequência cardíaca e da respiração, que podem estar elevadas em repouso e continuar baixa durante o esforço. Para isso, o hospital realiza testes cardíacos de esforço e busca detectar suspeitas de hiperventilação. Alguns remédios podem melhorar essa condição, mas as moléculas não são eficazes para todos os pacientes.
Tratamento alivia sintomas
O tratamento por enquanto é sintomático e alivia o cotidiano dos pacientes. Os médicos têm consciência de que se trata de uma convalescência longa demais – que pode ocorrer em outras doenças, como em uma gripe grave. A diferença é que, nesse caso, há traços concretos dessas doenças nos exames laboratoriais.
“O que recomendamos é que as pessoas permaneçam ativas e façam um pouco de atividade física. Pode ser simplesmente andar meia hora por dia e fazer alguns exercícios de reforço muscular em casa, para não prejudicar ainda mais condicionamento físico depois da doença.”
Efeitos da covid : O que causa falta de ar e fadiga após covid-19
A falta de ar é uma sequela enfrentada por um em cada quatro pacientes infectados por covid-19, mas o impacto vai bem além dos pulmões
“O oxigênio é a gasolina do nosso carro. Se ele estiver em níveis muito baixos, nenhum dos órgãos do corpo funciona corretamente”, explica Irma de Godoy, presidente da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia.E a principal sequela associada à falta de ar é conhecida como fadiga, uma espécie de cansaço intenso que afeta 58% dos pacientes, segundo um amplo levantamento de pesquisadores dos Estados Unidos, da Suécia e do México
As pessoas afetadas passam a ter dificuldade para realizar tarefas cotidianas, andar, trabalhar ou mesmo trocar de roupa, em casos mais graves.Em geral, a falta de ar é o principal motivo que leva pessoas com covid-19 a procurar atendimento médico, segundo pesquisa realizada com quase 5 mil pessoas na Suécia.
A fadiga, por outro lado, pode ser uma resposta persistente do corpo humano ao vírus mesmo quando a infecção já ficou para trás. No caso de uma pneumonia, esse forte cansaço pode durar até seis meses. Mas esses dois sintomas são tão interligados que alguns pacientes usam os termos cansaço, fadiga, fôlego curto ou falta de ar para descrever a mesma coisa.
Ambos os sintomas estão entre os principais da covid longa (ou persistente), uma condição de saúde prolongada que afeta mais mulheres, obesos e idosos, segundo estudo liderado por pesquisadores do King’s College London. Como ocorre com outras sequelas da covid, o tratamento costuma ser paliativo e semelhante ao adotado para pacientes de outras infecções virais graves.
O que é a falta de ar e por que ela ocorre
O sistema respiratório humano é constituído principalmente por pulmões, vias aéreas e músculos respiratórios. Seu principal processo é a ventilação pulmonar, conhecida popularmente como respiração, e mira o equilíbrio do estoque de oxigênio e gás carbônico no organismo, a troca de um gás pelo outro no sangue ocorre no interior dos alvéolos pulmonares durante a inspiração e a expiração. O oxigênio que chega será levado pela corrente sanguínea a fim de “abastecer” o restante do corpo. Durante a inspiração, o oxigênio é absorvido pelas vias respiratórias e segue para os pulmões, e a musculatura do diafragma e os músculos intercostais se contraem.
E, quando não há um equilíbrio entre receptores das vias aéreas, pulmões e a estrutura da parede torácica, os sinais de que há algum problema começam a aparecer.
“Quando infectadas pelo coronavírus, as células dos alvéolos sofrem alterações importantes que levam à sua morte, desencadeando um processo de inflamação e edema pulmonar (excesso de líquido) que impedem as trocas gasosas, culminando com a insuficiência respiratória”, explicou Marisa Dolhnikoff, pesquisadora e professora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), em entrevista recente à BBC News Brasil.
Essa é a chamada “pneumonia silenciosa”, que pode ser explicada pela formação de coágulos ou pelo ataque do coronavírus a células que ajudam os alvéolos a funcionarem normalmente, levando a uma escassez de oxigênio no sangue (hipoxemia) sem o acúmulo de gás carbônico (que levaria à sensação de falta de ar).
No caso da falta de ar associada à covid-19, nem todo mundo vai ter a mesma gravidade. “Há pacientes com 25% ou 10% do pulmão acometido. Os pacientes que têm insuficiência respiratória mais grave são aqueles que têm mais de 50%” . Segundo um estudo publicado na South African Medical Journal, as causas da falta de ar ainda não estão claras.
De acordo com os pesquisadores, o desconforto surge geralmente como resultado de algum comprometimento do sistema respiratório, cardiovascular, assim como pode ser atribuído a distúrbios como metabólicos, neuromusculares ou condições psicogênicas. Um estudo liderado pelo King’s College London, no Reino Unido, com base nos dados coletados por meio de um aplicativo, mostrou que 82% dos pesquisados acima de 18 anos apresentaram fadiga como um dos principais sintomas.
A falta de ar foi relatada por 23% das pessoas com menos de 18 anos, 39% entre 18 e 65 anos e 34% aos que têm mais de 65 anos de idade. Tratamento e reabilitação A abordagem das equipes de saúde com pacientes que têm falta de ar envolve o combate à infecção, o cuidado com os sintomas e a reabilitação.
Tratando as consequências e não a causa
No caso do novo coronavírus, não existe atualmente um antiviral específico usado em larga escala que iniba a ação do vírus. Por isso, o tratamento visa principalmente as consequências da infecção. “Não é que nós estamos tratando a doença, nós estamos permitindo que o paciente sobreviva para que aquela doença se resolva”, explica Irma de Godoy ,Presidente da Sociedade brasileira de pneumologia e Tisiologia.
Uma delas é a tempestade de citocinas, uma espécie de reação exagerada do sistema imunológico contra o vírus que tem o efeito inverso e faz mal ao próprio corpo, ao inundar o pulmão de fluidos, ampliar a inflamação, abrir brechas para outras infecções e agravar a falta de ar. Estudos científicos apontaram que o uso do corticoide dexametasona pode frear esse processo inflamatório desregulado em pacientes com insuficiência respiratória grave.
Mas corticoides podem ter como efeito colateral uma interferência na composição dos músculos respiratórios, e “pacientes que deixam a UTI podem ficar com a musculatura fraca”. Além desse medicamento, às vezes, é preciso ajuda de aparelhos para respirar. Esses equipamentos podem ser invasivos ou não. O objetivo é ganhar tempo para que o pulmão consiga se recuperar. Junto com isso, podemos usar o corticoide, que ajuda os pacientes a ter uma recuperação mais rápida”, explica a presidente da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia.
Para a pneumologista, o ideal é que esses pacientes comecem a reabilitação respiratória e geral (do corpo inteiro) ainda na UTI. Mas nem sempre essas unidades de saúde contam com fisioterapeutas. A reabilitação para as pessoas que passam um tempo na UTI pode ser difícil e prolongada. São comuns distúrbios de sono e fadiga severa, além de descondicionamento muscular, ansiedade, depressão e problemas de memória.
Outra possibilidade é a síndrome pós-terapia intensiva, caracterizada por sintomas como declínio cognitivo, fraqueza muscular, problemas de equilíbrio, sintomas de ansiedade e depressão. A reabilitação fisioterápica possui alguns protocolos a depender da doença, mas no geral cabe ao fisioterapeuta controlar a ventilação do paciente, evitar complicações cardiorrespiratórias, utilizar técnicas como a de alternância de decúbitos (mudança do posicionamento do paciente, como colocá-lo de bruços para ampliar o fluxo sanguíneo e reduzir danos aos pulmões) para melhorar a oxigenação.
O cuidado pós-alta também é fundamental
A fisioterapeuta intensivista Laura Teixeira, que atua em UTIs de hospitais da rede pública e privada de Salvador, explica que o objetivo principal da fisioterapia nesses casos é a estabilização do paciente, tratando e evitando atrofias, complicações respiratórias e dor. A recuperação costuma começar durante a internação hospitalar e durar até três semanas pós alta, os tratamentos podem envolver fisioterapia para situações de fraqueza muscular, psicoterapia e diferentes classes de medicamentos, de acordo com a necessidade de cada caso. A médica acredita que a maioria desses relatos são de pessoas que não passaram por hospitais e vivem por meses com falta de ar e fadiga pois não tivrram um auxílio para a reeducação respiratória. Situações como essa podem ser agravadas por diversos fatores de organismos e emocional, diferentes de uma pessoa para outra, como longas jornadas de trabalho, ansiedade, sedentarismo, estresse e excesso de responsabilidades.
A reabilitação pulmonar, especificamente, tem papel fundamental no enfrentamento da doença, prevenção de mortes e na recuperação. “Após estabilização do paciente, quando passado o processo inflamatório, nós entramos na fase de reabilitação e recondicionamento pulmonar e do restabelecimento de sua funcionalidade e autonomia”, explica a fisioterapeuta intensivista Laura Teixeira.
Parte dos profissionais e dos hospitais brasileiros tem se aprofundado no estudo e na disseminação de exercícios possíveis de serem feitos em casa pelo próprio paciente (com auxílio ou não de familiares). Algumas dessas instituições criaram “ambulatórios pós-covid”, voltados ao monitoramento de pacientes que tiveram diagnóstico grave para covid-19 e que já receberam alta.
Segundo Irma Godoy, idealmente todos os pacientes com comprometimento pulmonar durante internação deveriam ser acompanhados por pneumologistas após receberem alta hospitalar e, se indicado, passarem por reabilitação com fisioterapeutas.
Uma nova pesquisa publicada na última semana de março de 2021 no periódico médico Jama Network mostrou que 30% dos participantes de um estudo ainda relatavam sintomas da Covid-19 nove meses após contrair o vírus. A pesquisa indica que a maior parte dos indivíduos acompanhados tiveram casos leves da doença. Conduzido por pesquisadores da Universidade de Washington, o trabalho analisou 177 pessoas de Seattle com infecções confirmadas de Covid-19.
Fadiga e perda do olfato ou paladar foram os sintomas mais comuns, mas problemas para respirar e confusão mental também foram relatados por alguns. O estudo sugere a atenção para a necessidade de um acompanhamento pós reabilitação dos recuperados e, alertam para a necessidade que os pacientes busquem novamente orientação médica caso a fadiga não melhore depois de três meses ou surjam outros sintomas.
Fontes: Saúde iG – BBC News Brasil – UOL saúde
*As entrevistas dos médicos franceses foram concedidas originalmente ao programa Priorité Santé, da redação francesa da RFI.